Porque A Inflação Parece Maior Que A Anunciada Em 5 Atos (e o problema da interpretação dos "especialistas")

Denis G Coelho, CFP®, LinkedIn, 09/04/2018

A falta de explicações que não confundam a causa com o efeito da inflação turvam a percepção de um tema que nos é tão caro. Literalmente. Bom, vamos jogar uma luz em 5 atos.


Ato I – Explicação curta


Há uma confusão de conceito. Digamos por analogia que a inflação mede a velocidade de aumento dos preços. Seria algo semelhante à medida de distância sobre tempo conhecida por todos: Km/h (quilômetros por hora).


Já para saber de fato o quanto os preços estão altos (ou baixos), devemos recorrer a outra medida. Neste caso pode-se utilizar a inflação acumulada para períodos médios e longos, aí sim temos a noção da distância percorrida pelos preços, algo semelhante ao Km percorridos numa viagem (quilômetros percorridos).


Km/h não são o mesmo que quilômetros percorridos. (repita 3 vezes)


Ou seja, se os preços cresceram muito, uma inflação mais baixa ou até mesmo uma pequena deflação (queda de preços) não desfazem a impressão de que os preços estão altos, porque de fato estão! Menos inflação não quer dizer preços mais baixos, apenas menos ritmo de crescimento.


Ato II – Cuidado com os especialistas


Salvo raros nomes no jornalismo do Brasil, poucos são aqueles que de fato conseguem transmitir o que significa um índice de inflação (ou qualquer outro tipo de informação mais técnica). A impressão de que menor inflação significa queda nos preços se deve à péssima explicação à qual a mídia nos bombardeia constantemente. Menos inflação não significa que os preços caíram. Se algo ficou muito caro, via de regra, continuará muito caro mesmo com a inflação mais baixa. E esta impressão só será desfeita caso este item suba de preço menos que os demais (índice geral) nos próximos meses e anos.


Mas o que os artigos e reportagens levam a entender, ainda que involuntariamente, é que menos inflação menores preços. Hoje mesmo ouvi, durante um breve comentário sobre economia por uma jovem jornalista, que os preços continuam altos apesar da menor inflação. Mas isso é claro!!! A ênfase na obviedade, seja por falta de conhecimento ou mesmo de conteúdo, não ajuda a explicar a dimensão do problema.


Por isso nunca deve ser aceita como política de incentivos econômicos a tolerância com a inflação, algo feito recentemente nos últimos anos e que levou ao agravamento da crise atual. Normalmente uma vez que os preços atingem certo patamar, dificilmente regressam.


Outro erro grotesco é não dar a devida atenção ao fator temporal. A inflação de uma economia é um fenômeno imenso, cheio de detalhes e imperfeições que somente o tempo permite harmonizar para compreender, razão pela qual a menor unidade de tempo para análises e diagnósticos é a anual. Por vezes variações sazonais são tratadas com alarde catastrófico quando verdade são, ora, variações sazonais.


Ato III – Cada família tem uma inflação própria


Os índices de inflação são compostos por uma cesta de produtos e serviços cujo monitoramento de preços é feito ao longo do tempo. A cada item de cesta é atribuída uma importância (ou peso) distinta conforme o quanto do orçamento do público-alvo este item representa. De aí temos o grupo transportes, alimentação, educação e etc. Além disso, os preços são apurados em praças diferentes e cada índice estuda um número diferente de praças, cada uma com o seu devido peso dentro do índice.


Para semelhante esforço, muita aproximação é feita para obter uma média satisfatória que represente o andamento da economia. Ocorre que estas aproximações por vezes destoam muito da realidade de cada família individualmente. Podemos com muita segurança assumir que famílias e indíviduos de diferentes classes sociais, diferentes hábitos de consumo, diferentes tamanhos e composições tenham consumos diferentes, logo experimentem índices diferentes.


Isto faz com que geralmente as pessoas não se sintam representadas pela inflação. E elas têm razão. Mas para a economia geral, sim é válido.


Ato IV – Pobres sofrem mais com a inflação


Os itens mais elementares de consumo e muitos dos preços administrados (aqueles nos quais o controle das tarifas é determinado pelo governo seja via agências regulatórias ou estatais) são os mais afetados pelo aumento de preços. Também são aqueles cujo peso é maior na cesta de consumo de famílias de baixa renda que o dos demais itens. Além disso, pessoas de baixa renda tendem a poupar menos (seja por educação financeira ou mesmo por impossibilidade de constituir reserva). O resultado é que o impacto num ambiente inflacionário é mais pesado neste grupo da população.


É importante ressaltar que opostamente investidores, sejam grandes ou pequenos, tendem a se beneficiar e estar ao menos parcialmente protegidos dos efeitos da inflação. Os investimentos relativamente seguros (e quase todos os conservadores) rendem mais em ambientes inflacionários, já que para cobrir os orçamentos deficitários e sem a vontade necessária para empreender reformas resta como alternativa unicamente subir a taxa básica de juros para desencorajar o uso de crédito e secar dinheiro da economia direcionando-o ao Tesouro. Ou seja, famílias em melhor situação econômica ficam protegidas.


Finale – O que causa a inflação?


(Antes de começar é imperativo destacar: a abordagem feita da inflação refere-se aos efeitos sobre toda a economia, não restrita a determinados produtos ou serviços. A variação de preços de determinado item ocorre sempre em razão de variações no conjunto de ofertas e demandas e quão livre de intervenção opera o mercado no qual se encontra)


Parêntesis feitos, somente uma coisa causa inflação e nada mais além dela. Excesso de dinheiro.


Não há inflação de demanda. Há excesso de dinheiro na economia. Não há excesso de crédito. Há muito dinheiro na economia. Para atacar a inflação deve-se atacar as causas que levam a uma economia ter excesso de dinheiro, e as causas são a gestão na emissão de dinheiro. Emitir mais dinheiro além do crescimento da economia leva à inflação.


Este tema é assunto para um artigo futuro mas, para resumir, os déficits orçamentários do governo central (gastar ainda mais do que já arrecada) levam ao Tesouro Nacional, através de um complexo sistema, a emitir títulos da dívida pública. A dívida pública interna de uma economia é, por definição acadêmica, livre de risco. Isto porque caso ao Tesouro lhe falte caixa para honrar os vencimentos dos títulos, bom, basta emitir mais títulos! E caso o interesse dos investidores por estes títulos diminua, neste caso basta torná-los mais atrativos aumentando a taxa de remuneração oferecida. Literalmente um saco sem fundo de dinheiro!


O problema neste esquema louco é que mais dinheiro gera mais inflação, que a sua vez vai penalizar justamente aqueles que dispõem de menos mecanismos de defesa e são os mais vulneráveis ao uso de programas populistas. Programas estes que não fazem mais que agravar a situação de descontrole das conta públicas.


Criação de gastos públicos desenfreadamente, falta de controle e fiscalização, leniência com corrupção e baixa punibilidade de criminosos nos leva ciclicamente aos picos inflacionários que temos observado, felizmente melhor controlados depois da implantação do Plano Real.


Denis G Coelho, CFP®