Profissional de Investimentos, Você Está Errando Aqui

Denis G Coelho, CFP®, LinkedIn, 23/04/2020

É certo que no Brasil da última década houve a maior mudança no mercado de investimentos já registrada, seguindo tendências também observadas em outras praças. Ativos e serviços antes disponíveis somente aos clientes alta renda e private passaram a ser acessíveis ao grande público, em movimento capitaneado por players como a XP Investimentos e o BTG Pactual, tardiamente seguido pelas grandes instituições. Fatores locais como a concentração do mercado em poucas instituições e mundiais, como um ambiente tecnológico favorável, permitiram que os câmbios disruptivos fossem possíveis.


Mais que simples mudança uma evolução. Evolução porque muitos dos agentes já estavam presentes atuando neste mercado, ainda que com outras funções e objetivos. Neste sentido houve uma certa continuidade. Entretanto foram agregados muitos “novatos” (o termo newcomers é perfeito), o que de certa forma é positivo já que por um lado traz sangue novo e ideias frescas. Mas, como contraponto, pode trazer aventureiros pouco capacitados para a empreitada.

O Financial Planning Standards Board (FPSB) é uma organização internacional responsável por estabelecer os critérios éticos, de conduta, formação e certificação dos profissionais CFP® em todo o mundo, atuando através de suas afiliadas locais. No Brasil estas atividades são conduzidas pela Planejar. Os critérios estabelecidos pelo FPSB não se restringem unicamente aos investimentos financeiros; na verdade são muito mais abrangentes por tratar de sucessão patrimonial, planejamento de aposentadoria, organização financeira e etc. Entretanto, a recomendação básica de todo o processo passa por 6 etapas, ainda que bastante intuitivas, são ignoradas pela imensa massa de profissionais de investimentos, trazendo resultados insatisfatórios aos clientes investidores e aos próprios profissionais. Segue a lista das etapas e dos pecados:




1) Estabelecer e definir o relacionamento


Este ponto é negligenciado por inexperientes profissionais e muitas vezes suprimido por investidores afoitos. O cliente deve saber o que esperar do profissional, para decidir, em plena consciência, se o serviço que lhe será prestado, os custos envolvidos e potenciais conflitos de interesse estão de acordo com suas expectativas. Na prática constatamos que, ao receber a indicação de novos clientes, seja por inexperiência, pelas perguntas ou ânsias de aclarar pontos específicos de parte do investidor e vontade de fechar novos negócios, alguns profissionais atropelam tudo e começam a tratar de produtos, rentabilidades, comparações e etc. já nesta etapa. Não faz sentido algum: por que colocar o carro à frente dos bois? Este ponto é fundamental para sedimentar todo o relacionamento futuro investidor-profissional.


Ainda neste ponto, qual perfil (ou perfis) de cliente o profissional está acostumado ou habilitado a trabalhar? Trabalhar com um profissional que não esteja preparado para determinados perfis (trader, high networth individuals, famílias, empresas) faz o cliente se sentir um peixe fora d'água.


A forma de remuneração, seja via pagamento de comissões ou salário, geralmente por parte da instituição, ou fees, cobrados diretamente do cliente, tem que ficar clara neste momento. Sabê-lo de antemão ajuda ao cliente a conhecer o verdadeiro nível de independência do profissional à hora de assessorá-lo ou de fazer a gestão dos investimentos. Estabelecer a frequência e meios de contato é também fundamental.




2) Coletar as informações


Uma vez que as expectativas estão alinhadas, o profissional deve solicitar todas as informações que julgar necessárias para a análise completa do perfil financeiro do cliente. Não se limitam apenas àquelas de natureza financeira, mas também as laborais, pessoais, comportamentais e patrimoniais.


Muitos investidores, em especial aqueles vindos do varejo tradicional, jamais tiveram estas informações pedidas pelo seu gerente de relacionamento de forma ordenada e sistemática. Por isso, ficam reticentes em fornecê-las. O pecado está em que alguns profissionais de investimentos se sentem intimidados nestas situações e ficam constrangidos (ou não estão preparados) para explicar as razões para obtenção destes dados. Imaginariam um paciente negar informações ao médico, ou um cliente alegar motivos pessoais para não responder ao seu advogado cada uma das perguntas feitas? Quase sempre o planejamento de investimento acaba tendo impacto maior e mais duradouro na vida do cliente do que eventuais visitas ao seu médico.


Se nesta etapa não há concordância entre profissional e cliente quanto à obtenção e tratamento de informações, o processo deve ser encerrado aqui. Pode parecer uma recomendação extrema, mas talvez seja melhor que o investidor não seja atendido e tenha que repensar as fontes de aconselhamento de investimentos. Se o profissional não tiver material suficiente para fazer corretamente seu trabalho, é melhor que não o faça.




3) Analisar e avaliar a situação financeira


Esta etapa só pode ser concluída de forma adequada quando as informações anteriormente obtidas foram as mais completas possíveis. O profissional deve ser capaz de montar a partir de dados desconexos a figura completa da vida do cliente, para daí extrair a parte da qual irá tomar conta. E este trabalho não é simples.


O pecado vem do fato de que nem todos os profissionais estão à altura desta tarefa. Pode ser por falta de habilidades, experiência, conhecimentos ou qualquer combinação dos três. Por esta razão a negligenciam. Ora, se o profissional que é o expert técnico não dá importância, quem dirá o cliente!


Esta etapa é a de diagnóstico. Quanto mais informações, mais preciso será. Se for feita de forma abreviada ou desleixada o resultado será ruim, os passos futuros ficam comprometidos.




4) Desenvolver as recomendações de planejamento


Muitos investidores ao procurar assessoramento o fazem justamente buscando este ponto. Têm recursos disponíveis para alocar ou estão insatisfeitos com sua alocação atual e querem uma otimização. Vêm com muita sede aspirando a melhores resultados (quando não o mítico 1% ao mês) e ficam vulneráveis aos piratas do mercado. Ou propensos a cair no aconselhamento de um profissional que, embora bem-intencionado, não entendeu que este passo é intermediário e não início de conversa.


Dois investidores com a mesma capacidade de poupança, mesmo patrimônio e mesma situação familiar (idades semelhantes, mesmo número de filhos, etc.) podem necessitar de carteiras completamente diferentes segundo seus projetos futuros ou situações emocionais. Mas isso só é descoberto se os passos anteriores foram devidamente seguidos.


O pecado aqui é o profissional ser conduzido pelo cliente, e não conduzir o processo. O investidor é soberano em suas decisões, mas o processo de aconselhamento deve ser conduzido pelo profissional. O prazo, em geral curto, deixa as deficiências do planejamento à mostra.


Cada alocação, cada prazo, cada etapa, deve estar conectada e amparada pelo diagnóstico feito pelo profissional. Agindo desta forma, o investidor passa a ter melhor consciência de toda a alocação e tudo começa a fazer maior sentido, incluindo o longo prazo. O profissional deve também saber em quais situações sua atuação termina e em quais começa a de outros profissionais, como pode ser o caso de contadores e advogados.




5) Implementar as recomendações desenvolvidas


Esta etapa não costuma dar problemas pois é a sequência natural e amplamente praticada já no mercado.


Entretanto, jovens profissionais podem não estar cientes de alguns limites e dificuldades operacionais de algumas etapas do processo. Portabilidades de planos de previdência ou transferência de custódias de valores mobiliários são passíveis de erros operacionais. Além disso, em alguns casos é necessária a liberação manual pela antiga instituição dos valores que estão sendo alocados e pode haver, digamos, não tão boa vontade de que isto ocorra.


O profissional de investimentos deve estar ciente destes possíveis contratempos e alertar ao investidor para que as expectativas fiquem alinhadas. Não tomar cuidado pode azedar o relacionamento logo de cara.



6) Revisar a situação do cliente


Este é um ponto complicado. Muito complicado. Investidores têm queixas constantes por se sentirem desatendidos. Algumas categorias de profissionais vêm pouca motivação em dedicar tempo a realocar as carteiras (o que toma muito tempo) já que o follow-up passa a ser subordinado à captação de recursos vindos de novos clientes por conta de metas e incentivos oferecidos pela instituição à qual trabalham ou se associaram.


O contato constante faz os relacionamentos durarem. Mas ambos, investidores e profissionais, devem entender algumas situações. Investidores precisam ser (e sentir-se) assessorados. Profissionais precisam ser escutados e ter seu trabalho apreciado. Caso contrário o interesse mútuo se dissolve.




Quais as soluções?


O processo de planejamento financeiro deve seguir uma estrutura. Os passos recomendados pelo FPSB e de aplicação mundial, quando bem executados, garantem que o investidor tenha uma carteira ajustada à medida de suas necessidades e objetivos. Ao profissional dá as condições para executar seu trabalho da melhor forma possível, fazendo brilhar seu talento, habilidades e experiência. Para finalizar, uma pequena lista dos inimigos deste processo:


· Investidores mal-acostumados pelo bullmarket, passam a desenvolver vieses emocionais de invencibilidade. Podem chegar a crer que conhecem mais do que realmente sabem.


· Desconhecimento da situação sócio-econômica do investidor.


· Profissionais inexperientes ou inseguros incapazes de conduzir o processo com o cliente.


· Aventureiros criados em outras áreas que são falsamente seduzidos pelo glamour da área de investimentos financeiros e ingressam sem a devida preparação.


· Pouca familiaridade com conceitos básicos como liquidez, reservas para diferentes projetos, fases da vida do investidor e prazos inerentes.


· Subestimar a necessidade de certificações e aprimoramento eterno de conhecimentos.


· Ignorar o mercado externo como meio seguro e efetivo na diversificação de ativos e riscos.


· Carteiras de investimento precisam ter certo volume financeiro para que possam remunerar adequadamente ao profissional. Neste ponto não há negociação.


· Modelo de remuneração pode levar a constantes conflitos de interesse, já que quem paga (cliente ou instituição) terá a preferência do profissional na hora da defesa de interesses.


· Se o profissional não teve êxito em sua área de atuação anterior, é muito provável que também não tenha ao trabalhar com investimentos financeiros. Não é só matemática, não é só relacionamento. É saber ler situações complexas de diferentes fontes e chegar a conclusões estruturadas. Persistência e humildade para reconhecer a necessidade eterna de aprimoramento são necessários.


Denis G Coelho, CFP®