O Contribuinte, A Autoridade e O Direito (ou as maravilhosas jaboticabas brasileiras)

Denis G Coelho, CFP®, LinkedIn, 25/04/2018

Temos uma realidade sócio-econômica única no Brasil que desafia a lógica e nos deixa sem rumo, piso e teto. Fruto da desinformação e o do populismo aplicados por décadas, a cada dia descobrimos uma nova jaboticaba, assim chamadas aquelas coisas e situações que parecem únicas do nosso país, assim como a fruta.


O Contribuinte


Ainda que num primeiro momento possa parecer um eufemismo para um termo mais direto como pagador de impostos, a palavra contribuinte é na etimologia precisa. Significa aquele que faz uma contribuição, que paga um tributo segundo o que lhe cabe (contribuir). Acabou com o passar dos séculos vinculado ao imposto, tributo (derivado de tribo, tribos na origem latina), já que contribuir significa pagar tributo, seja ao magistrado local ou por homenagem. Embora seja um apreciador do uso mais etimologicamente correto, fica difícil não me inclinar ao uso prático da expressão. Contribuinte leva a entender que se trata daquele que faz um ato voluntário, de benevolência, portanto espontâneo e livre de pressão. Nada mais longe da realidade. Impostos são o que o nome diz, obrigatórios, forçados. Para agravar a situação, invariavelmente a contra-partida, ou seja a prestação do serviço público, é no mínimo ruim quando não inexistente. Algo normal já que quem coordena o serviço são agentes estatais. O fato de que sejamos tratados como “contribuintes” tira a importância do pagamento ser compulsório (por isso imposto). Por hábito as reclamações são vazias e circunscritas a rodas pequena e íntimas, como encontros familiares, mesas de bar, etc.. A situação tem mudado ao longo dos anos, com um público cada vez mais consciente e questionador. Chamar as coisas pelo seu devido nome ajuda a criar consciência. Então fica a proposta, não se deixe chamar contribuinte, que tal Pagador de Impostos (como é comum no resto do mundo), Confiscado ou Assaltado?


A Autoridade


Não é um fenômeno unicamente brasileiro mas aqui é alarmante a forma como ocorre. Novamente recorrer à definição da palavra nos ajuda a entender porque o uso desta é incorreto. Autoridade é aquele que 1.) Detem poder ou 2.) Conhecimento elevado sobre determinado assunto. Aí começa a confusão. Um especialista pode ser uma autoridade em seu campo de estudo e pesquisa, emprego neste caso correto do termo. O termo pode ser usado também para o agente policial ou militar quando no exercício de suas prerrogativas legais ou no caso de um magistrado (juízes, desembargadores e ministros) quando no exercício único da magistratura e sempre quando sejam competentes para a ação apresentada.


O político eleito, situação na qual o termo é mais usualmente empregado, não é nem por definição nem por direito autoridade, é um mandatário, ou seja, detentor de um mandato para cumprir determinada função. O eleito o foi para que desempenhe funções ou represente aos seus eleitores, seja parlamentar ou membro do executivo. Deve ter responsabilidades, nunca vantagens. Claro que, na prática, não funciona assim e somos demasiado coniventes com situações de abuso. Abuso de autoridade é impor um poder que não tem. Não pode-se aceitar tratar um político de autoridade simplesmente porque não o é, é um mandado, servidor público deve cumprir regras e as leis de forma exemplar.


A situação parece invertida, o mandatário é quem deve absoluto respeito à sociedade e não a situação inversa. Afinal de contas, não somos uma república na qual todos são iguais perante a lei?


Eu tenho direito!


É comum ver determinados grupos invocando o “direito” sem saber na prática o que implica. Clamar por direitos é algo comum em nossa sociedade. Direitos temos todos, mas cada vez que se distancia daqueles mais básicos (propriedade e vida) entramos em terrenos pantanosos. Invocado um direito que leva ao recebimento de prestações econômicas, impõe-se a alguém o pagamento de um tributo sem o devido acompanhamento (princípio de accountability). Direitos à moradia, educação, transportes, saúde e tantos outros não são gratuitos, não importa a classe social, raça ou gênero do recebedor. Devem ser pagos. Mesmo descontos no valor destes serviços não se pagam sós, há necessariamente uma contrapartida econômica. Como em geral quem administra este serviços é um agente público, a chance de corrupção é enorme. De fato, falamos, lemos, discutimos e estudamos isto a cada dia. Nossos problemas tem como raiz um estado brasileiro grande, ineficiente e assistencialista, cuja formação é aceita por uma sociedade carente de serviços e que se vê incapaz de valer-se por si só. Não é de se estanhar que grandes bolsões de miséria Brasil adentro são também os maiores eleitores de políticos populistas.


Enquanto isso, os direitos mais básicos são negligenciados. Não respeitamos a propriedade (seja privada ou pública), e o clima de guerra civil que impera em todos os cantos do país evidencia que o respeito a vida ficou longe de ser tratado como um direito fundamental. Houve com o estatuto do desarmamento, algo que majoritariamente a população foi contra, a promessa populista de que os crimes se reduziriam. Uma década depois ficou claro que não passava de uma mentira, parte de uma agenda doentia da qual fomos vítimas.


O direito ao qual os políticos se aferram (auxílios dos mais variados, aposentadorias, reembolsos, etc.) deveriam ser auditados e constantemente checados, simplesmente porque são um custo não produtivo. Mas aí nossa série de jaboticabas se faz notar.



Autênticas Jaboticabas Brasileiras


Um pequeno compilatório:


Tribunais de Contas: Órgãos técnicos que em princípio seriam responsáveis por auditar e aprovar ou reprovar as contas públicas de prestações de gastos dos agentes, são de fato organismos políticos, com nomeações vitalícias feitas pelo chefe do executivo do momento. Foram condescendentes com os maiores esquemas de corrupção da história humana (parece exagero mas não é) e ninguém propôs seriamente sua extinção, já que não têm função outra senão servir de cabide de empregos e chancelar esquemas de corrupção (até que a oposição tome o poder).


Salários de vereadores: A função análoga a do vereador, representante mais próximo ao eleitor, não é remunerada em boa parte do mundo civilizado. Candidatam-se em geral profissionais ativos em sua cidade (ou comunidade) e que voluntariamente prestam parte de seu tempo ao auxílio na gestão do executivo. Mas não no Brasil, desde o começo o vereador visto como primeiro passo a outros cargos eletivos, via de regra por conta do prestígio e do “poder” que isto dá.


Corte Superior imprevisível: Cortes supremas de justiça ao redor do mundo tendem a ser muito mais estáveis, zeladoras da constituição de seus países e defensora da aplicação das leis segundo o literalmente escrito (letra morta), evitando ao máximo dar outras interpretações. Aqui nossos magistrados julgam sem maior rubor amigos, parentes, quando ética e moralmente deveriam declarar-se impedidos. Em questão de meses o Supremo Tribunal Federal cria e altera jurisprudências, contribuindo para o clima de instabilidade política.


Teto salarial constitucional: Não há esfera de poder que o cumpra e é motivo de piada. Nem mesmo o judiciário, que deveria ser o exemplo. São feitas concessões, flexibilizações, “disputas” judiciais, etc. , mas de fato ninguém consegue determinar de fato quanto se tem gasto acima do teto e para quais categorias. As regras mudam e são passíveis de interpretações das mais diversas.


Trânsito em julgado: Refere-se à situação na qual a uma ação criminal não cabe mais nenhum recurso ou embargo e então executa-se a pena, em especial para réus em primeira instância. Recursos judiciais existem mundo afora, mas a quantidade e a permissividade de nossa lei levam a uma situação de justiça morosa e cara, ou seja, nada universal.


Chamar as coisas pelo seu devido nome e questionar a função das coisas é algo que devemos como sociedade praticar. E devemos deixar as jaboticabas somente no campo alimentar mesmo.


Denis G Coelho, CFP®